quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Carrie, a Estranha - Análise


O objetivo dessa postagem não é apenas analisar o livro, mas analisar os filmes e as análises que são feitas sobre a franquia. A analise não será profunda. Não pretendo escrever mais do que o necessário.

Carrie, a Estranha escrita por Stephen King em 1976. Foi o primeiro romance publicado pelo autor. O livro conta uma estória duma menina tímida que é atormentada tanto por sua mãe, como pelos seus colegas e até pelos professores. 

Diferente das demais vítimas de "bullying", a Carrie possui poderes e o utiliza para se vingar após ela ter sofrido a sua maior humilhação pública. 

Qualquer um que tenha sofrido o "bullying" sente uma simpatia pela Carrie. Eles são capazes de até justificar o massacre que é realizado na cidade Chamberlain. 

Eu particularmente não gosto de ler romances (já li alguns romances) mas não tenho a vocação para ser leitor do gênero. Vou analisar mais o conteúdo do que o método do escritor. 

Uma das coisas que me incomoda na obra é a estética da religião da mãe da Carrie (Margareth White). A sua religião é claramente uma versão de protestantismo e de catarismo criado por ela. Sendo o protestantismo uma religião, na maioria de suas versões, iconoclasta, não fazia sentido da sua casa estar recheada de imagens e de santos.

A introdução das imagens foram colocadas por causa da repulsa que o autor sente pelas imagens sacras. A teologia que a seita que a White criou não tem relação com a católica, mas sim com a protestante. Ela se centra na bíblia e não nas Sagradas Escrituras e na Tradição. 

A critica que se faz em cima de Margareth White é em relação dos malefícios do fanatismo religioso. Até porque o fanatismo em ideologias como democracia, liberalismos, comunismo, secularismo e etc está isento de criticas para muitas pessoas. O grande problema do fanático e ser fanático em religião.

O problema não está com o fanatismo em si, porque sem fanatismo não se faz uma revolução. Não se faz guerra ou não se faz uma torcida apaixonada por futebol sem fanatismo. O problema está na religião que a sra. White criou. Uma religião que seria catalogada como uma heresia nas igrejas protestantes mais tradicionais. Uma religião que durou até a existência de sua criadora. Não teve sucessor após a morte da sra. White. O seu início e o seu fim foi com ela. E não conseguiu ter mais de dois membros. Ao contrário do cristianismo que sempre foi uma religião popular. Só não teve popularidade em muitos países por causa da perseguição religiosa. 

A graça no banho de sangue que a Carrie sofre no Baile foi uma das coisas mais sem sentido da obra. Eu procurei achar graça nisso mas não consegui. O incidente no banheiro até dá para encontrar graça. Uma menina que fica histérica por causa de algo tão banal como a menstruação pode até ser engraçado. Mas achar graça ao ponto de rir como uma hiena porque a colega foi banhada por sangue? Isso é inacreditável! Dá para acreditar que pessoas que não gostem da Carrie e que estavam participando da brincadeira irão rir dela como uma hiena. As pessoas normais, a grande maioria do público, no máximo, dariam uma pequena risada, mas pela situação e não por causa da Carrie.

"Foi isto que fez todo mundo rir. Não havia jeito. Era um destas cenas que você ou ri ou enlouquece. Há tantos anos Carrie vinha sendo o alvo de todas as pilhérias, e todos sentimos que naquela noite éramos parte de algo muito especial. Era como se estivéssemos observando um ser humano se juntando novamente à raça humana, e eu, por minha parte, agradecia a Deus. E foi acontecer aquilo. Aquele horror!
Portanto, não havia outra coisa a fazer. Ou a gente ria ou chorava, mas como seria possível chorar por Carrie, depois de todos estes anos?"
(pág 93)

Com essa descrição da Norma Watson (ex-colega de Carrie) não teria dúvidas que a menina estaria envolvida na peça, que ela não gosta da Carrie e está procurando justificar o injustificável. Se eu tivesse o poder de condená-la ou de prendê-la, não hesitaria de cumprir o meu dever. Não teria dúvidas que ela participou do crime. 

Não existe dessa de rir ou chorar. A pessoa poderia ficar indiferente ao ocorrido. Coisa que ela poderia ter feito. 

Os filmes de 2002 e de 2013 corrigiram isso. Não faz sentido todos rirem e não faz sentido da sua professora de Ed. Física, a senhorita Desjardin rir. 

A professora por causa do grau de envolvimento que ela teve com a Carrie. Ela encarou uma das alunas mais problemáticas e mais ricas da escola por causa dela. Era para a professora ter uma grande simpatia por ela ao ponto de vê-la humilhada em público de socorrê-la o mais rápido possível e não perder o seu tempo rindo. 

Essa parte acontece no livro é para justificar o que vem a seguir: a destruição da escola e da cidade. Porque a Carrie sendo extremamente humilhada como foi no livro, faz com que o leitor tome o seu partido. 

Outra pessoa que na minha opinião deveria ser presa é a Sue Snell. 

"Uma coisa ninguém entendeu em relação aos acontecimentos em Chamberlain naquela noite do baile. A imprensa não entendeu, nem os cientistas da Duke University; Davidi Congress tampouco — embora The Shadow Exploded seja talvez o único livro razoavelmente decente escrito sobre o assunto —, e muito menos ainda a Comissão White que me usou para bode expiatório.
Existe um fato que é fundamental: éramos crianças. Carrie tinha dezessete anos, eu e Chris Hargensen também Tommy Ross, dezoito, Billy Nolan (que repetiu a nona série antes de aprender a dar seus golpes durante os exames), dezenove."
(pág 46)

É difícil engolir a narrativa de Sue Snell que ela emprestou o seu namorado porque ela estava arrependida. Se eu estivesse no livro, com certeza tomaria partido da Comissão White. Sue é culpada pelo crime. Essa passagem do livro onde ela passa pano para ela e para a sua amiga Chris é uma evidência que ela é culpada.

Vamos pensar. Por que a Sue não tomou a solução mais simples, que seria ir até a Carrie e pedir desculpas, ao invés de emprestar o seu namorado, que poderia gerar muito mais problemas, pois a Carrie poderia se apaixonar por ele, por entender errado o que está acontecendo, o seu namorado poderia ter uma caso com a Carrie (querendo ou não, a Carrie é mulher e muitos homens não veem problema em fazerem amor com meninas feias). 

No livro ela diz para a sua amiga que ela fez isso porque queria que a Carrie participasse mais das coisas. Coisa que a Carrie faz. O problema é que ela é rejeitada pelos grupos que ela tenta se enturmar. 

Se a Sue é culpada, por que ela foi até a Carrie no final da sua vida? Simples. Remorso. Ao ver que a Carrie estava destruindo a cidade por causa da "brincadeira", ela procurou ir até a Carrie para tentar consertar o problema que ela tinha causado. O livro diz que a Carrie ainda estava viva quando ela chegou. Mas isso é a narrativa da Sue. Carrie poderia estar morta. 

Ao meu ver os filmes fazem um desserviço ao público colocando a Sue Snell como a mocinha. Sendo que ela é culpada pelo crime contra a Carrie. Se o vice-diretor processa-se a Chris, ele também processaria a Sue por causa do assédio contra a sua colega. 

Outro ponto importante que devemos levantar é a Carrie. A visão sensata que devemos ter sobre ela é que ela é a vilã. O que ela fez na escola, na cidade e em sua casa foi criminoso. Não temos outra classificação para isso. 

"Tommy Erbter, de cinco anos um de idade, vinha subindo de bicicleta pelo outro lado da rua. Era um garoto pequeno de olhar vivo, montado numa Schwinn de vinte polegadas, de rodinhas laterais vermelhinhas. Vinha cantarolando uma canção. Assim que viu Carrie, seu rosto se iluminou e esticou a língua para ela:
— Ei, cara de traque! Carrie, velha beata!
Carrie olhou para ele espumando de ódio. Apesar das rodinhas laterais, a bicicleta balançou e de repente virou. Tommy deu um grito, a bicicleta por cima dele. Carrie sorriu e continuou a andar. Os gemidos de Tommy eram doce música para seus ouvidos.
Se ela pudesse fazer estas coisas acontecerem sempre que quisesse! (sem mais nem menos)
Sete casas antes da sua estancou, os olhos fixos no nada. Atrás dela, Tommy subia choramingando na bicicleta, o joelho todo ralado. Gritou qualquer coisa para ela. Ignorou-o. Gente muito mais categorizada já havia gritado tanta coisa para ela... Tinha apenas pensado: (cai desta bicicleta garoto, te arranco desta bicicleta e te racho essa porcaria de crânio) e tinha acontecido qualquer coisa."
(pág 17)

A Carrie diferente ao que é apresentado nos filmes, ela não é uma menina bonita (no caso de 2013 é extremamente bonita) e boazinha. Ela é uma menina feia e rancorosa. Só não se vingava de todos porque não tinha poder para isso. 

"— É verdade sim — retrucou Miss Desjardim — Carrie, qualquer coisa que tenha acontecido antes...bem, está tudo esquecido. Queria que soubesse disto.
— Esquecer, não posso — disse Carrie levantando os olhos. As palavras que lhe subiram os lábios foram: Eu não culpo mais ninguém. Engoliu-as. Era mentira.
Culpava a todas, e sempre culparia e queria acima de tudo ser honesta — mas passou. Agora tudo passou."
(pág 84)

Como foi dito antes a travessura que ocorreu no baile não fazia sentido, pois não temos como rir disso. O que provavelmente aconteceu foi que a Carrie tomou o banho de sangue, algumas pessoas riram dela (isso acontece nos filmes de 2002 e 2013 (como a imaginação dela é histérica, ela pensa que todos estão rindo dela)). Qndo ela começa o massacre ela procura matar todos, mas ela não consegue matar quem estava envolvido com a "brincadeira". Não conseguiu matar Norman Watson, Tina Black, Vicky Mooney e Sue Snell. Nos filmes de 1976, 2002 e 2013 ela realmente consegue matar as meninas que envolveram com a "brincadeira". No filme de 2013 ela mata Tina Black com requinte de crueldade, por exemplo. É interessante notar que ela só mata a Chris porque ela e o seu namorado estavam indo em sua direção. Se eles tivessem decidido mudar de cidade por causa das notícias que estavam recebendo de Chamberlain, eles não seriam mortos por Carrie. Acredito que Stephen King fez com que o casal fosse em direção de Carrie para dar uma satisfação ao leitor. Para que o leitor não ficasse zangado porque os causadores do problema não foram mortos. Porque se para pensar, não faz sentido a Chris e o seu namorado irem em direção da cidade sabendo que está acontecendo uma catástrofe no local. 

Se formos montar uma hierarquia de vilões do livros, poderíamos dar o primeiro lugar para a Carrie (que é a ÚNICA HOMICIDA), em segundo lugar para a Margareth White (por ter criado uma seita maluca e enlouquecedora), em terceiro lugar para a Chris (por ter planejado a conspiração), em quarto lugar para a Sue (por ter enganado seu namorado, enganado a Carrie e por se passar de boazinha por todas as mídias possíveis (não colocaremos em terceiro lugar porque não temos prova que ela criou a conspiração, se ela fosse o pai, sem dúvidas ficaria em terceiro)), em quarto para o namorado da Chris, o Billy Nolan (por ter dado assistência a conspiração) e os demais vilões não será importante classificar.  

CONCLUSÃO

Assisti alguns vídeos sobre a analise do livro como no canal do Felippe Barbosa onde ele e outros professores indicam o livro como um bom material para falar sobre o "bullying". Ao meu ver esse não é um bom material, já que a vilã da obra é a vítima do "bullying" e o meu massacre é justificado. 

O autor e os filmes não dizem explicitamente que o massacre que aconteceu é justificado, porém os acontecimentos que precedem o massacre fazem com que tenhamos empatia pela menina e a vemos como vítima. Como nos dias de hoje e na década de 70 menos (mas também). A vítima tem quase uma carta branca para aplicar a sua vingança. Se ela aplicar, o seu ato será justificado moralmente pela sociedade. Ela pode ser legalmente presa ou executada pelas autoridades competentes. Mas a população, em sua grande maioria, não irá condenar as suas ações.

Imagine uma menina que sofre na mãos dos seus colegas desde o primário até o último ano do Ensino Médio. No baile da escola ela é enganada sendo eleita como a rainha do baile, ao invés de receber a coroa e a honra, recebe o sangue de porco podre, a reação dela é sair dali e abandonar o local. Os seus movimentos para ir embora geram risos nos espectadores. Não satisfeitos, alguém coloca o pé na frente dela e ela cai e a turma ri ainda mais dela. 

Nós seres humanos normais possuímos instintos que impediria de rirmos dela quando ela tropeçou ou quando caiu. Quando ela recebeu o banho, já entenderíamos que ela perdeu, foi derrotada, não tem mais noite para ela. Aprofundar mais na humilhação da garota é sadismo. Nem os animais quando veem que o seu inimigo está derrotado procuram torturar a sua vítima. 

O filme de 2002 procurou justificar as mortes dizendo que a Carrie perde a consciência no ato, ela agiu inconscientemente. No filme de 2013 ela salva a Desjardin e a Sue da morte, ela mata somente os seus agressores. 

Filmes onde é retratado o "bullying" e a dupla de vítimas entra na escola e mata seus alunos não deve ser vistos como boas obras sobre o tema. Devem ser vistos como subversivos. E devem ser censurados para o bem da coletividade. 

Enfim, não vejo a obra como boa. A solução para o problema de "bullying" na escola está nos professores, na direção, na secretária e no ministério. No caso especifico do livro, a resposta está na própria direção. O diretor Grayle fez bem em se demitir: 

"— ... e por isso acho que não posso mais continuar com meu cargo, já que sinto que a tragédia toda poderia ter sido evitada se eu tivesse tido uma previsão maior. Espero que o senhor aceite meu pedido de demissão a contar de 1 de julho, e que não haja inconveniente para o senhor nem para sua equipe..." (pág 131)

Fonte: https://kbook.com.br/wp-content/uploads/2016/08/Carrie-a-estranha-Stephen-King.pdf